legislação
Parecer Normativo nº 01 (Reclamação Fundamentada)
Despacho da Diretora Executiva, de 1-10-2001
Aprovando o Parecer Normativo nº 1 e, nos termos da Portaria Normativa 9, de 5-6-2001, determino a sua publica- ção para que o entendimento nele fixado seja adotado em todos os níveis no âmbito da Fundação Procon/SP.
Parecer Normativo nº 1
EMENTA. Para a reclamação ser fundamentada não se exige sua procedência. Reputa-se como fundamentada a reclamação que haja legitimidade das partes, existência de relação de consumo, contenha pretensão decorrente da narrativa dos fatos e com suporte em elementos capazes de lhe dar verossimilhança, não excluída de forma pronta e incontroversa pelo fornecedor.
A expressão “reclamação fundamentada” contida no art. 44 do Código de Defesa do Consumidor tem sido causa de freqüentes dúvidas entre os fornecedores, que tomam o seu conceito como equivalente à de reclamação procedente, dando causa a muitos recursos no âmbito administrativo, daí a necessidade de se tornar público o entendimento da Fundação Procon sobre a questão.
O art. 44 do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu:
“Art. 44. Os órgãos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá- lo pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor.”
Não foi em razão desse dispositivo que os órgãos de defesa do consumidor passaram a atender os consumidores, de forma inversa, devido ao atendimento ministrado de longa data por órgãos como o Procon é que o mesmo foi inserido no Código de Defesa do Consumidor. Os consumidores, ao se dirigirem a um órgão público de defesa de sua categoria, basicamente o fazem na eventualidade de se sentirem lesados pelo fornecedor e buscam a intermediação do órgão para a satisfação de sua pretensão. Como o Procon não faz parte do Poder Judiciário, não tem a competência nem o poder para decidir conflitos de interesses, a sua função é colocar as partes frente a frente e, com sua mediação, levá-los se comporem para o fim do conflito. Não havendo composição, encerrada estará a atuação do órgão, não lhe cabendo decidir se uma reclamação é ou não procedente.
Não obstante, o registro desse processo de mediação é de extrema utilidade pública, é por meio dele que se pode avaliar o nível de atendimento aos consumidores por parte do fornecedor. É a medida da satisfação ou insatisfação dos consumidores. Em razão da importância desse registro é que foi inserido no código a sua obrigatoriedade. A questão, então, fica cingida no que consiste o objeto desse registro.
A conceituação do que seja uma reclamação não é difí- cil. O seu sentido é único e não suscita qualquer dúvida, trata-se de uma pretensão. A própria palavra reclamação já está incorporada no vocabulário jurídico em razão da terminologia utilizada na Justiça do Trabalho. Reclamação é, pois, a pretensão, o pedido, o pleito, ou o resultado esperado pelo consumidor. O cerne da questão, então, desloca-se para o qualificativo inserido na lei, isto é, “reclamação fundamentada”.
Reclamação fundamentada não é a mesma coisa que reclamação procedente, nem poderia ser. Não sendo competência do Procon emitir juízo acerca de sua procedência, atividade privativa do Poder Judiciário, a apreciação do órgão está limitada ao exame da viabilidade da pretensão do consumidor, isto é, ao exame do fundamento da reclamação. A pretensão formulada pelo consumidor na reclamação é, muitas vezes, a mesma que poderia ser formulada em juízo para a obtenção do resultado esperado. Assim, o exame da viabilidade da pretensão tem exato paralelo com o exame das condições da ação feito pelo magistrado no despacho saneador: possibilidade jurídica, legitimidade das partes e interesse de agir.
A par dos requisitos formais, para lhe garantir certa dose de verossimilhança, a reclamação fundamentada requer tenha suporte em indícios fáticos que, segundo os usos e costumes, normalmente acompanham a relação de consumo. Tais indícios não se confudem com a prova do fato, tratam-se de elementos iniciais de prova que dão suporte à pretensão, afastando-se meras querelas no exclusivo plano das alegações. Nesse ponto, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Forense, 5ª ed., traz sua contribuição acerca da conceituação de reclamação fundamentada:
“Além disso, não é qualquer informação” contra fornecedores de produtos e serviços”. Exige-se a sua fundamentação, ou seja, algo que a suporte. Uma nota de compra, uma fotografia do produto, um recibo, uma declaração do fornecedor, um anúncio de jornal, tudo isto basta. O que não se admite é a inclusão nos arquivos de mera fofoca de consumo, do tipo “ouvi dizer”, “falaram-me que”.
A reclamação fundamentada não é só aquela que tem um parecer final do órgão. “Fundamentada” aqui significa a reclamação que traz fumus boni iuris. É a que não é claramente descabida. Não é sinônimo de procedência. Esta depende de apreciação aprofundada que, de resto, pelo menos para tal fim, não é imposta pelo Código.”
O Decreto nº 2.181/97, entretanto, ao regulamentar o Código de Defesa do Consumidor, não foi feliz na tentativa de conceituar a reclamação fundamentada. Valeu-se de uma terminologia capaz de gerar dúvida e confusão na mente daqueles que fazem uma leitura desatenta:
“Art. 58. Para fins deste Decreto, considera-se:
………………………………………………………………………………….
II – reclamação fundamentada: a notícia de lesão ou ameaça a direito do consumidor analisada por órgão público de defesa do consumidor, a requerimento ou de ofício,
considerada procedente, por decisão definitiva.”
“Art. 58. Para fins deste Decreto, considera-se:
………………………………………………………………………………….
II – reclamação fundamentada: a notícia de lesão ou ameaça a direito do consumidor analisada por órgão público de defesa do consumidor, a requerimento ou de ofício,
considerada procedente, por decisão definitiva.”
À primeira vista o uso da expressão “considerada procedente” leva o apressado leitor a pensar que reclamação fundamentada teria o mesmo sentido de reclamação procedente, no entanto, um exame mais minucioso verifica-se que o que deve ser considerada procedente é a notícia de lesão ou ameaça, ou seja, o objeto da procedência limita-se à notícia. A procedência da lesão ou da ameaça a direito significa a mesma coisa que a procedência da reclamação, por outro lado, a procedência da notícia tem sentido bem distinto. O foco está agora na notícia trazida pelo consumidor, na verdade, dizer que a notícia é procedente nada mais é do que dizer que a reclamação é viável, em suma, a conceituação trazida pela regulamentação em nada acrescenta o que já se deduzia da lei.
O exame da viabilidade da reclamação, por conseguinte, limita-se à verificação da legitimidade das partes, existência de relação de consumo, existência de pretensão decorrente da narrativa dos fatos e com suporte em elementos capazes de lhe dar verossimilhança. A defesa do fornecedor reclamado, por outro lado, deve se centrar na pronta e incontroversa exclusão dos elementos citados, não havendo lugar para o exame da procedência ou não da reclamação nem a realização de diligências probatórias para sua apuração.
Preenchidas as condições acima, o registro da ocorrência pode ser inserido no cadastro das reclamações fundamentadas para fins do art. 44 do Código de Defesa do Consumidor.
É, S.M.J., nosso parecer.
George Takeda – Procurador do Estado